Streptococcus constellatus é uma bactéria pertencente ao grupo Streptococcus anginosus (SAG), um subgrupo do grupo estreptocócico Viridans que compreende 3 espécies. Aqui apresentamos um raro caso de infecção de parede abdominal por membro do grupo SAG. A.P.S. 47 anos, feminina, parda, deu entrada no Pronto Socorro devido dor e inchaço na região abdominal há 10 dias após queda da própria altura com trauma contuso em região de flanco direito. Desde então apresentava dor, hiperemia e edema local progressivos que evoluíram com escurecimento da pele da região afetada. Tinha sobrepeso, era ex-usuária de crack, cocaína e drogas injetáveis, etilista e tabagista ativa e já esteve em situação de rua por 5 anos. À admissão apresentava sinais vitais estáveis e hiperemia e edema em região de flanco direito, com lesão enegrecida de cerca de 10 cm com presença de bolhas. Iniciada Oxacilina. Os exames laboratoriais evidenciaram leucocitose com desvio à esquerda e aumento de marcadores inflamatórios. Sorologia para Hepatite C positiva, demais negativas. Tomografia evidenciou coleções líquidas confluentes nos planos subcutâneos e músculo-aponeuróticos da parede abdominal à direita, com imagens gasosas de permeio. Foi submetida a abordagem cirúrgica com limpeza e drenagem de 1000 ml de líquido de aspecto purulento. A cultura de aspirado da bolha evidenciou Streptococcus constellatus multissensível e, do líquido colhido no intra-operatório, microrganismo compatível com mesmo agente, sendo alterada antibioticoterapia para Ceftriaxona e Clindamicina, que fez uso por 14 dias, com importante melhora clínica e laboratorial. As espécies membros do SAG são comensais da microbiota de nasofaringe, trato gastrointestinal e genitourinário de seres humanos, sendo, no geral, mais virulentos que outras espécies do grupo Viridans. Quando patogênicas, tem tendência a formação de abscesso e podem ter sinergismo com microrganismos anaeróbios, aumentando a virulência. Classicamente, as infecções causadas por SAG compreendem topografia intra-abdominal (abscessos hepáticos), torácica (pneumonia, abscesso pulmonar, empiema pleural, pericardite e endocardite), e cabeça e pescoço (abscesso orofacial, peritonsilar e cerebral). Caso descrito em topografia de parede abdominal é raro na literatura. Além disso, apresentou-se com importante necrose tecidual, fato não habitual em descrições clínicas de infecções causadas por tal agente.