XXIII Congresso Brasileiro de Infectologia
More infoA leishmaniose visceral (LV) ou Calazar é uma zoonose endêmica que acomete o sistema reticuloendotelial, causada pelo protozoário Leishmania chagasi, transmitido pela picada de flebotomíneos infectados. Em 31/10/22, paciente de 23 anos, sexo masculino foi admitido em um Hospital Universitário do Nordeste do Brasil, transferido de um hospital de urgência do estado com quadro de dor abdominal, tosse seca e astenia há 1 mês, seguido de febre, melena e hematêmese. Tem histórico de etilismo e uso de cocaína. Exames laboratoriais revelaram pancitopenia importante com necessidade de suporte transfusional e teste RK-39 reagente, sendo diagnosticado LV e realizado tratamento com Anfotericina B Lipossomal 240mg/dia, por 7 dias. Apesar da terapia instituída, voltou a apresentar hemorragia digestiva alta e outros sangramentos, além de tosse e dor abdominal intensa, icterícia, esplenomegalia a 17cm do rebordo costal e edema difuso em membros inferiores. Evoluiu com febre, queda dos níveis hematimétricos, com proteínas inflamatórias e marcadores de hemólise aumentados, associada à hepatoesplenomegalia visualizada em exames de imagem. Ao mielograma, evidenciada fagocitose de linhagens da medula, preenchendo, assim, os critérios de Síndrome Hemofagocítica (SHF). À tomografia, verificada coleção heterogênea de conteúdo hemático ou proteico em baço de dimensões aumentadas. Procedeu-se à esplenectomia, sendo diagnosticado abscesso esplênico, com drenagem de 4L de secreção purulenta e cultura positiva para Staphylococcus aureus multissensível. Realizada antibioticoterapia com Vancomicina 1000mg/dia por 21 dias, e, mantendo febre, seguiu-se com Cefepime 2g/dia, por 14 dias, com melhora clínica. A SHF é um distúrbio raro e potencialmente grave, caracterizado por uma resposta inflamatória sistêmica excessiva, com hiperativação de células T citotóxicas, células natural killer e macrófagos, gerando secreção de altos níveis de citocinas pró-inflamatórias. Pode ser hereditária ou secundária à desregulação imunológica induzida por neoplasias, doenças autoimunes ou infecções sistêmicas, mais frequentemente associada ao vírus Epstein-Barr. Devido ao caráter sistêmico da LV e às características similares dessas afecções, deve-se descartar SHF em pacientes que apresentam má evolução mesmo com o tratamento implementado para evitar morbimortalidade. Parâmetros clínicos e laboratoriais como febre, citopenias, hipertrigliceridemia e hiperferritinemia são relevantes em SHF associada à LV.