A busca contínua por um esquema antirretroviral capaz de suprimir os níveis plasmáticos de HIV-RNA abaixo da capacidade de detecção durante o maior tempo possível tem impulsionado a criação de diferentes combinações de antirretrovirais.
Uma vez desenvolvidos esquemas de tratamento antirretroviral combinado (TARVc) eficazes e com baixa toxicidade, a supressão da replicação viral tornou-se possível para a maioria dos pacientes, e pôde ser obtida por meio de uma ampla variedade de esquemas combinados. Em decorrência disso, tem-se acompanhado o declínio significativo nos índices de morbidade e mortalidade associados ao HIV/AIDS.
Em um estudo populacional realizado no Reino Unido, indivíduos infectados pelo HIV-1 apresentaram expectativa de vida igual à população geral, se tratados com sucesso.1 Segundo esse estudo, a longevidade depende tanto da restauração do número de células TCD4+ quanto da supressão viral no sangue periférico. Assim, com o aumento da expectativa de vida, a infecção pelo HIV-1 pressupõe tratamento diário por tempo indeterminado, tendo o paciente que conciliar o retorno às atividades pessoais e profissionais da vida diária.
Nesse contexto, o desafio passa a ser o desenvolvimento de esquemas com maior comodidade posológica, sem prejuízo de eficácia e segurança, possibilitando melhor adesão ao tratamento e ganho em qualidade de vida.
A primeira estratégia desenvolvida para simplificar os esquemas de TARVc foi substituir os inibidores de protease (IP) por inibidores de transcriptase reversa não análogo de nucleosídio (ITRNN), oferecendo redução substancial no número de comprimidos por dia, bem como melhoria nas alterações metabólicas relacionadas com os IPs. O grande passo nessa direção foi o lançamento do esquema de efavirenz (EFV) + emtricitabina (FTC) + tenofovir (TDF) em um único comprimido (single tablet) em 2006.2 Uma avaliação do impacto na qualidade de vida dos pacientes tratados acompanhou o ensaio clínico que demonstrou a eficácia do esquema. Escores para o questionário de qualidade de vida com base no SF-36 demostrou diferenças para o componente físico entre os grupos de tratamento na semana 48 (diferença média 2,0; IC 95% 0,5-3,5; p = 0,010).3 A partir de então, esse esquema de comprimido único tornou-se o braço comparativo de esquemas subsequentes. Em 2011, foi comparado com a combinação EVG + cobicistat (COBI) + FTC + TGDF, também em comprimido único. As taxas de supressão viral de HIV-1 foram semelhantes após 48 semanas.4 Nesse ensaio clínico randomizado envolvendo 71 pacientes com carga viral HIV-1 ≥ 5.000 cópias/mL e sem histórico de exposição prévia a antirretrovirais, o tratamento com EVG + COBI + FTC + TDF resultou em aumento médio no número de células TCD4+ de 123 e 205 células/mL na semana 24 e 48, respectivamente, contra 124 e 139 no grupo EFV/FTC/TDF.4
Subsequentemente, o estudo SPIRIT avaliou o esquema de comprimido único incluindo a segunda geração de ITRNN (rilpivirina – RPV), em comparação ao esquema utilizado com maior frequência na prática clínica: IP + ritonavir + dois inibidores de transcriptase reversa análogo de nucleosídio (IPr + 2ITRN). Nesse ensaio clínico, 476 pacientes com carga viral HIV-1 < 50 cópias/mL durante pelo menos seis meses anteriores foram distribuídos aleatoriamente, para continuar o mesmo esquema com IP ou mudar para RPV + FTC + TDF. O desfecho principal de não inferioridade na semana 24 foi comprovado, com taxa de supressão viral de 93,7% no grupo RPV + FTC + TDF contra 89,9% no grupo IPr + 2ITRN (diferença de 3,8%; IC 95% -1,6-9,1%), mantendo-se assim até a semana 48. Como desfechos secundários, observou--se queda nos níveis de colesterol total, lipoproteína de baixa densidade (LDL) e triglicérides significantemente maiores no grupo RPV + FTC + TDF.5
Mais recentemente, foram publicados os resultados atualizados do estudo SINGLE6,7 comparando os esquemas de comprimido único com dolutegravir (DTG) + abacavir (ABC) + lamivudina (3TC) e EFV + FTC + TDF. Ainda em andamento, esse ensaio clínico incluiu 833 pacientes com carga viral HIV-1 ≥ 1.000 cópias/mL distribuídos aleatoriamente para um dos esquemas. O desfecho primário de não inferioridade na semana 48 foi comprovado com taxa de supressão viral de 88% no grupo DTG + ABC + 3TC contra 81% no grupo EFV + FTC + TDF (diferença de 7,4%; IC 95% 2,5%-12,3%; p = 0,003). Nas semanas 96 e 144, o grupo DTG + ABC + 3TC manteve níveis superiores de taxa de supressão viral (p = 0,01), impulsionado principalmente pela menor taxa de interrupções devido a eventos adversos no grupo DTG + ABC + 3TC (4%), em comparação ao EFV + FTC + TDF (14%).7
A alta potência antiviral e a elevada barreira genética dos IPs potenciados pelo ritonavir têm fundamentado o uso desses fármacos em monoterapia como estratégia de simplificação. Em 2006, foram avaliadas a segurança e a eficácia da estratégia de simplificação em monoterapia com LPVr em pacientes infectados pelo HIV-1 com supressão viral estável. A despeito do baixo tamanho amostral, os resultados sugeriram essa estratégia como uma eventual opção de tratamento.8 Em seguida, o estudo MONARK comparou LPVr em monoterapia com a associação LPVr + zidovudina (AZT) + 3TC. Nesse estudo, 136 pacientes com carga viral HIV-1 < 100.000 cópias/mL e sem evidência de mutações de resistência aos IPs foram distribuídos aleatoriamente para o esquema LPVr + AZT + 3TC ou LPVr monoterapia.9,10 Cinco (6%) dos 83 pacientes incluídos no grupo LPVr em monoterapia e nenhum dos 53 pacientes incluídos no grupo LPVr + AZT + 3TC apresentaram seleção de mutações de resistência aos IPs. O aparecimento dessas mutações ocorreu tardiamente, entre as semanas 40 e 90, em baixo nível de viremia após várias semanas de replicação viral quase contínua. Esses resultados indicaram que a LPVr em monoterapia apresenta menor taxa de supressão virológica quando comparada ao esquema LPVr + AZT + 3TC, não devendo ser considerado como uma opção de tratamento preferencial para uso generalizado.9,10 Não obstante, uma subanálise desse estudo avaliou o impacto do tratamento com LPVr em monoterapia na qualidade de vida dos pacientes.11
A alta potência antiviral e a elevada barreira genética dos IPs potenciados pelo ritonavir têm fundamentado o uso desses fármacos em monoterapia como estratégia de simplificação.
O grupo de pacientes em LPVr + AZT + 3TC relatou mais sintomas ao longo das 48 semanas de seguimento (p < 0,05), e a porcentagem de pacientes com percepção positiva do seu estado global de saúde aumentou significativamente no grupo da monoterapia – de 32% no início do estudo para 67% na semana 48 (p < 0,0001).11 Dessa maneira, apesar de o início do tratamento antirretroviral com LPVr em monoterapia não demonstrar resultados favoráveis como uma estratégia de simplificação, restava a possibilidade de individualizar a simplificação nos pacientes com carga viral abaixo dos níveis de detecção. Sendo assim, 80 pacientes foram distribuídos aleatoriamente para simplificar seu tratamento em LPVr monoterapia ou continuar seu esquema. Após um ano de seguimento, 40 (98%) pacientes no grupo LPVr apresentavam supressão viral, contra 37 (95%) no grupo TARVc (p = 0,61). Tempo para falha virológica e mudança no número de células TCD4+ também não apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os grupos.12
O estudo MODAT avaliou a estratégia de simplificação do tratamento em monoterapia com atazanavir + ritonavir (ATVr) em pacientes com carga viral HIV-1 < 50 cópias/mL durante pelo menos os três meses anteriores. Os resultados demonstraram menor eficácia virológica em comparação com a manutenção da terapia tripla, o que recomendou suspender a inclusão de novos pacientes a partir da semana 48.13 Tais resultados foram confirmados pelos dados apresentados na semana 96 de seguimento.14
No estudo MONOI-ANRS 136, 225 pacientes com carga viral HIV-1 < 50 cópias/mL em terapia tripla foram distribuídos aleatoriamente para receber um esquema triplo com darunavir ou darunavir + ritonavir (DRVr) monoterapia. A proporção de pacientes com supressão viral foi de 99% no grupo de esquema triplo contra 94% no grupo DRVr monoterapia (delta = -4,9%; IC 90% -9,1a -0,8). Três pacientes apresentaram falha virológica no grupo DRVr monoterapia, e nenhum no grupo de esquema triplo. Entretanto, nenhum dos três pacientes falhados apresentou resistência aos IPs, e eles suprimiram a carga viral com subsequente intensificação com 2ITRN. Os dois grupos não diferiram no número de eventos adversos. Dessa forma, a alta taxa de supressão virológica com limite inferior do IC menor que 10% entre os dois grupos confirma DRVr monoterapia como possível estratégia de simplificação em pacientes experimentados. Além disso, em subanálise, a diferença na taxa de supressão virológica entre os dois grupos de tratamento foi maior nos pacientes com elevados níveis de carga viral HIV-1 pré-tratamento. Esses resultados indicam que DRVr monoterapia pode ser uma opção de tratamento nos pacientes com carga viral HIV-1 < 100.000 cópias/mL antes do início do tratamento e que agora encontram-se com níveis indetectáveis.15
Em 2010, foram publicados os resultados do primeiro estudo que avaliou segurança, tolerabilidade e farmacocinética plasmática de DTG em voluntários saudáveis.
Em 2010, foram publicados os resultados do primeiro estudo que avaliou segurança, tolerabilidade e farmacocinética plasmática de DTG em voluntários saudáveis.16 Em seguida, no ensaio clínico fase IIa, o fármaco demonstrou relação de dose-resposta com potente atividade antirretroviral, apresentando queda de 2,5 log10 na carga viral HIV-1 após 10 dias de tratamento com DTG 50 mg.17 No estudo SPRING-1, 205 pacientes com carga viral HIV-1 ≥ 1.000 cópias/mL foram distribuídos aleatoriamente para receber pelo menos uma dose da droga do estudo: DTG ou EFV. Após 16 semanas de seguimento, a proporção de pacientes com supressão viral foi de 93% (144/155) para o grupo DTG e 60% (30/50) para o EFV; a queda da carga viral foi muito mais rápida no grupo DTG que no grupo EFV. Ainda, 20% (10/50) dos pacientes no grupo EFV tiveram eventos adversos de gravidade moderada ou alta, comparados com 8% (13/155) no grupo DTG. A subanálise interina confirmou as evidências in vitro que indicavam maior barreira genética para resistência de DTG que para raltegravir (RAL).18 Sendo assim, no estudo SPRING-2, o DTG foi comparado com o RAL como tratamento inicial para adultos infectados com HIV-1. Nesse ensaio clínico fase III, 822 pacientes foram distribuídos aleatoriamente para receber DTG ou RAL + 2ITRN. Após 48 semanas de seguimento, a proporção de pacientes com supressão viral foi de 88% (361) no grupo DTG contra 85% (351) no grupo RAL (diferença ajustada 2,5%; IC 95% -2,2-7). Os eventos adversos foram semelhantes entre os grupos de tratamento. Não foi evidenciada emergência de resistência nos pacientes tratados com DTG que apresentaram falha virológica, enquanto no grupo RAL um (6%) paciente apresentou resistência a inibidor de integrasse e quatro (21%) aos ITRN.19 Dessa maneira, uma vez demonstradas a não inferioridade de DTG a um inibidor da integrase e a sua superioridade ao ITRNN, restava a comparação com DRVr. No estudo FLAMINGO, 484 pacientes com carga viral HIV-1 ≥ 1.000 cópias/mL foram distribuídos aleatoriamente para receber DTG ou DRVr, com TDF-FTC ou ABC-3TC. Após 48 semanas de seguimento, a proporção de pacientes com supressão viral foi de 90% (217) no grupo DTG contra 83% (200) no grupo DRVr (diferença ajustada 7,1%; IC 95% 0,9-13,2), demonstrando superioridade (p = 0,025). Falha virológica confirmada ocorreu em dois pacientes (< 1%) em cada grupo, porém não foi evidenciada resistência em ambos os grupos. Ao longo de 48 semanas, os grupos apresentaram baixas taxas de eventos adversos que levaram à descontinuação (quatro pacientes com DTG [2%] vs. dez com DRVr [4%]), embora tenham contribuído para a diferença nas taxas de resposta.20
Tendo em vista sua alta potência antirretroviral, elevada barreira genética e comodidade posológica de um comprimido/dia, o DTG em monoterapia tem sido avaliado como uma estratégia de simplificação. Gubavu et al.21 publicaram recentemente sua experiência em um estudo retrospectivo com 21 pacientes com carga viral < 50 cópias/mL por ocasião da simplificação com DTG em monoterapia e 31 pacientes com DTG associado a uma segunda droga antirretroviral (81% com carga viral indetectável). Todos os pacientes já haviam utilizado algum esquema de tratamento antirretroviral; 48% haviam apresentado pelo menos um episódio de falha virológica, e nove pacientes tiveram falha prévia com RAL. Na última visita de acompanhamento, a proporção de pacientes com supressão viral foi de 100% no grupo DTG em mononterapia e 97% no grupo com terapia dupla (mediana de seguimento de 32 e 50 semanas, respectivamente).21 Em outro estudo observacional publicado em junho de 2016, 28 pacientes com carga viral HIV-1 < 50 cópias/mL durante pelo menos há 12 meses tiveram seu tratamento simplificado para DTG em monoterapia e foram seguidos durante 24 semanas. A proporção de pacientes com supressão viral foi de 96% (IC 95% de 79%-100%) na semana 4; 100% (IC 95% de 85%-100%) na semana 8; 93% (IC 95% de 76%-99%) na semana 12; e 92% (IC 95% de 75%-99%) na semana 24. Três pacientes (3,7%) com exposição prévia a inibidor de integrasse apresentaram rebote de carga viral no seguimento. Contudo, a genotipagem dessas amostras evidenciou somente uma amostra à mutação 74I em um paciente com uso prévio de elvitegravir no período de supressão viral.22
Os eventos adversos foram semelhantes entre os grupos de tratamento.
Conclusões
A estratégia de simplificação com tratamentos baseados em coformulações de comprimido único está bem consolidada e em larga utilização em países desenvolvidos. Monoterapia com DTG ou DRVr se afigura com estratégia promissora, embora sejam necessários estudos randomizados para corroborar seu uso na prática clínica.