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Vol. 2. Issue 5.
Pages 162-169 (October 2016)
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Perspectivas de cura da infecção pelo HIV
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Esper Georges Kallása, Camilla Sunaitis Doninia
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Introdução

O HIV é pandêmico, com distribuição heterogênea no mundo, atualmente com cerca de 33 milhões de indivíduos acometidos – uma incidência de cerca de dois milhões/ano. É caracteristicamente um problema de saúde pública mundial, com um custo estimado em cerca de 30 milhões de dólares/ano em alguns países, tendo recebido de 2000 a 2015 um investimento de cerca de 187 bilhões de dólares. Atualmente, os investimentos no combate à AIDS chegam a cerca de 22 bilhões de dólares por ano.1,2

As estratégias globalmente desenvolvidas até o momento visam diagnosticar todos os indivíduos acometidos, tratar a grande maioria, senão todos, zerar a transmissão vertical e reduzir (se possível, também zerar) a transmissão sexual, com a finalidade de eliminar o HIV até 2030.3 Nesse caminho há muitos obstáculos; foi constatada a redução das taxas de transmissão vertical e de incidência em algumas áreas do globo, porém encontrou-se aumento progressivo em outras regiões, pois tais estratégias esbarram em características culturais, sociais e políticas locorregionais. No Brasil, por exemplo, entre 2010 e 2015, o número de novas infecções entre adultos subiu de 43 mil para 44 mil (2,3%).1

A terapia antirretroviral (TARV) não é curativa. O impacto social e financeiro da doença é evidente, e a cura é ainda mais almejada. O último documento da UNAIDS2 cita como uma de suas estratégias o investimento nas pesquisas de desenvolvimento de vacinas e tecnologias para a cura, com a eliminação do HIV da pessoa infectada.

Há muita esperança no desenvolvimento de uma cura eficaz que possa ser empregada em grande escala. Após a descrição do caso do “paciente de Berlim”, abriu-se a perspectiva de que uma cura é possível. Vários grupos em diferentes centros de pesquisa no mundo estão trabalhando nessa área. Seguramente, tanto a cura quanto uma vacina eficaz poderiam ser ferramentas eficientes no enfrentamento da epidemia e, no melhor cenário, no controle da disseminação do HIV.

O desenvolvimento de uma vacina é complexo e trabalhoso, uma vez que se trata de um patógeno que mantém um padrão estrutural, e se torna ainda mais desafiador quando se trata de um vírus com elevada capacidade de mutação/recombinação e que apresenta circulação de diversas variantes em um mesmo indivíduo, como é o caso do HIV e de suas quasiespécies, além dos diferentes subtipos em uma mesma população.

Outro desafio é a diversidade do antígeno leucocitário humano (HLA), devido ao elevado polimorfismo.

Um importante desafio é desvendar um mecanismo que estimule uma resposta imune celular que englobe as diversas variantes circulantes do HIV, as quais podem divergir em até 20% entre os subtipos.4 Outro desafio é a diversidade do antígeno leucocitário humano (HLA), devido ao elevado polimorfismo, que é o responsável por determinar o início da resposta mediada pelo linfócito T (um mesmo antígeno produz respostas diferentes em populações com HLA diversos).

Nos últimos 30 anos, vários conceitos para uma vacina contra o HIV foram testados, além de terem sido realizados seis ensaios de eficácia. Desses, o ensaio da vacina RV144, na Tailândia, em 2009, foi o mais promissor, reduzindo o risco de infecção pelo HIV em 31%.5 Outros estudos estão em andamento, inclusive em fase III, cujos resultados serão disponibilizados nos próximos anos, com entusiasmo variável na comunidade científica.

Esta revisão revisitará alguns aspectos mais importantes na trajetória da pesquisa sobre a cura do HIV e suas perspectivas futuras.

O paciente de Berlim

Em 2007, o paciente Timothy Ray Brown, portador de HIV por dez anos, em uso regular de TARV, com carga viral (CV) indetectável e contagem de linfócitos T CD4+ com 415 cél/mm3, apresentou leucemia mieloide aguda. Foi submetido inicialmente à quimioterapia, e na fase de indução apresentou hepatotoxicidade grave e insuficiência renal, com necessidade de suspensão da TARV. A interrupção acarretou a positivação da CV, porém a TARV foi reiniciada após a melhora dos sintomas iniciais, com controle virológico. Após sete meses, apresentou recidiva da leucemia e foi submetido a transplante de células-tronco hematopoiéticas periféricas, cujo doador apresentava HLA idêntico ao paciente em cinco loci e era homozigoto para deleção delta 32 do CCR5 (CCR5Δ32). Recebeu regime de indução e TARV até um dia antes do transplante, seguido por pega medular no dia +13 após o transplante. Apresentou doença do enxerto vs. hospedeiro grau I em pele. Mais tarde, apresentou recidiva da leucemia no dia +332, quando foi submetido a um novo regime de indução e novo transplante de células-tronco hematopoiéticas periféricas do mesmo doador, associado à irradiação corporal total. Esse segundo transplante teve sucesso, e o paciente está livre das duas doenças até o presente momento.6 Foi realizada biopsia de mucosa retal no dia +159, com persistência de células T CD4+ com expressão de CCR5, porém sem cópias de HIV-1 detectáveis. Testes de indução de resposta imunológica com estimulação de células T CD4+ com antígeno viral não foram capazes de induzir a produção de interferon gama (IFN-γ), o que indica ausência de estímulo antigênico pelo HIV, porém anticorpos específicos contra proteína da cápsula viral (gp120 e gp41) persistiram presentes em níveis decrescentes. Foram pesquisadas CV no plasma, medula óssea e biopsia retal, para detecção de PCR pró-viral e do RNA viral, mas foram negativas em todas as amostras.6,7

Em 2014, outro paciente alemão HIV positivo foi submetido a transplante de células hematopoiéticas após diagnóstico de linfoma anaplásico de grandes células. Apresentava tropismo viral para CCR5 e recebeu medula óssea de doador que era portador do alelo CCR5Δ32 em homozigose. O paciente, porém, apresentou recidiva de replicação viral. A análise após essa evolução evidenciou uma mudança de tropismo viral de CCR5 para CXCR4 após o TMO, não evidenciado até o momento o meio de escape viral.8 Após o caso de Timothy Brown, outros seis pacientes, contando com o descrito anteriormente, foram submetidos a transplante de células hematopoiéticas, porém nenhum deles apresentou a mesma evolução que o caso de 2007. Provavelmente, essa série de casos indica a necessidade de manutenção de TARV até que o quimerismo completo seja estabelecido, e evidencia a complexidade do uso de terapia de transplante nessa gama de pacientes.9

O exemplo do paciente de Berlim, bem como os demais descritos, incitou novas pesquisas envolvendo terapia gênica e transplante de células hematopoiéticas nos pacientes que vivem com HIV em busca da cura. Há, todavia, diversos obstáculos remanescentes, como a diversidade viral (tropismo CCR5, vírus de rápida progressão) e as possíveis terapias de indução e suas toxicidades.

Obstáculos para a cura

A maior barreira para a cura é a latência viral, definida como a persistência do DNA pró-viral no DNA humano, não transcrito, porém capaz de ser replicado e reativado. Alguns mecanismos celulares responsáveis por essa manutenção já foram descritos. A presença de proteínas reguladoras, como a histona deacetilase, somada à ausência de alguns fatores do hospedeiro, como fator nuclear kappa B (NF-κB) e o positive transcription elongation factor b (P-TEFb), necessários para a transcrição viral, propiciam tal situação. As interferências na transcrição viral pelas moléculas da célula hospedeira também contribuem para a latência ou falha na transcrição, mantendo o gene silente.10,11

A variabilidade humana multifatorial também afeta a persistência do HIV de forma latente.

A variabilidade humana multifatorial, que engloba idade, gênero, presença de coinfecções, estágio de progressão da doença, microbioma e características específicas do material genético do hospedeiro, também afeta a persistência do HIV de forma latente.

Os ditos santuários virais geralmente são de difícil acesso para a coleta de informações para o estudo, como baço, cérebro, trato genital e timo, e são de extrema importância para a compreensão dos mecanismos de escape do sistema imune, além do fato de que caracterizar e quantificar o potencial de célula com replicação do HIV competente presente nesses tecidos é um desafio, seja pelo acesso, seja pelas metodologias presentes até o momento.

Os atuais biomarcadores de infecção pelo HIV ou da infecção latente são escassos, e se faz necessário o desenvolvimento de novas ferramentas.12 A clássica quantificação viral carece de grande número de células, é cara e depende de uma estrutura laboratorial. O uso de PCR, com amplificação do DNA pró-viral, é fácil de padronizar, porém superestima o número de células com infecção latente, uma vez que a maioria dos vírus que persistem durante a TARV apresentam delações ou mutações letais.13,14 Desse modo, nem todo material gênico do HIV incorporado na célula humana é capaz de produzir vírus ou vírion; a quantidade de vírions no sobrenadante é diferente do que se estima pela medição do DNA pró-viral, que também difere da quantidade de proteínas do HIV traduzidas na matriz. Talvez seja mais fidedigno medir a resposta imune causada pela presença do vírus que a quantidade viral em si.

Ainda não estão disponíveis biomarcadores capazes de predizer o tempo de recidiva virológica sem TARV.

Reservatórios virais e latência

As células do sistema reticuloendotelial e os linfonodos funcionam como reservatórios do HIV. As células que apresentam genoma viral produzem e secretam glicoproteínas do envelope do vírus (gp120), que podem ligar-se à molécula CD4 de linfócitos T não infectados, levando à união de várias dessas células e formando sincícios, o que facilita a propagação dos reservatórios.15

A transcrição do RNA não é o único evento necessário para reverter a latência viral. Um conjunto de ações que interfiram no mRNA, responsáveis pela exportação, conexão e tradução, expressão e/ou processamento e apresentação do antígeno viral, também é necessário.

Os modelos de latência do HIV in vitro carecem de sistemas de validação para uma comparação efetiva entre os agentes reversores de latência (LRAs). Atualmente, sabe-se que o uso de LRAs in vitro estimula uma subpopulação de vírions, e que o modelo é falho em mimetizar a intensa cascata de sinalização celular que ocorre in vivo. A terapia combinada pode ser a chave para a múltipla ativação celular.16

Em estudo com vorinostat (inibidor de HDAC), publicado em 2012, ficou demonstrado o aumento da CV em oito pacientes em uso de TARV, com controle virológico adequado (CV indetectável), que fizeram uso da droga em manutenção da TARV.17

Uma nova abordagem em estudo é o uso de agonistas de TLR, funcionando indiretamente, de modo a ativar as células apresentadoras de antígeno para sinalizar e recrutar as células de memória. Sloam et al. demonstraram que o agonista seletivo de TLR7 em investigação GS-962018 ativa o vírus ex-vivo em PBMC de pacientes com HIV-1 em supressão viral, porém tal habilidade foi diminuída nos tratamentos subsequentes.

Em modelo animal, Whitney et al. avaliaram o uso de agonista de TLR7 em primatas não humanos 45 semanas após atingirem a supressão viral do SIV, de maneira sistemática, duas vezes ao mês, durante o uso de TARV. Foras pesquisados DNA pró-viral na PBMC, tecido do cólon e biopsias linfonodais. Não se verificou alteração da viremia após as três primeiras doses, porém, entre a quarta e a sétima doses foi documentada viremia seguida de redução substancial do DNA viral em todas as amostras de tecidos, mantida após a suspensão da TARV.19

Os LRA não são específicos, e podem ocasionar efeitos inconvenientes em outros genes. Por exemplo, os que ativam as células T indiscriminadamente podem gerar respostas inflamatórias deletérias; os que alteram o ambiente epigênico podem aumentar o risco de transformações celulares malignas.16

A infecção pelo HIV ocorre nos macrófagos e linfócitos T CD4+, e com o passar do tempo infecta as células T CD4+ de memória.

Diversidade viral e escape de resposta imune

Prioritariamente, a infecção pelo HIV ocorre nos macrófagos e linfócitos T CD4+, e com o passar do tempo infecta as células T CD4+ de memória. Provavelmente, a interação dessas células com os demais tecidos é a responsável pela persistência da latência. A via de ativação das células T CD4 de memória, seja por apresentação de antígeno, seja pela interação com citosinas, talvez determine ou contribua para o escape da resposta imune. Sabe-se que a expansão clonal do HIV nessas células é comum, talvez porque o sítio de integração do HIV na célula promova a capacidade replicativa ou de sobrevivência da célula.16

Há diversos mecanismos que impedem o sistema imune de remover o vírus por completo, como, por exemplo, resposta não efetiva dos linfócitos T citotóxicos, hiperativação ineficaz das células natural killer (NK) e inabilidade das células efetoras em chegar aos locais de latência viral.

A compartimentalização das subpopulações virais em um indivíduo ocorre principalmente envolvendo o sistema nervoso central (SNC), o fígado, o trato gastrintestinal, os pulmões, os rins e as glândulas mamárias (leite materno). Estudos comparativos entre os vírus isolados do sangue e do SNC demonstraram tratar-se de populações distintas, bem como originárias de prováveis rotas diferentes.20 O tropismo viral, seja ele CCR5 linfócito T-trópico ou macrófago-trópico, parece ser um fator de escape e manutenção viral, como demostrado por Schnell et al. no estudo de população com demência associada ao HIV. Nesse estudo, a população de HIV macrófago-trópico era diferente geneticamente, encontrada apenas no SNC e não se alterava com o tratamento. Em contrapartida, a população de HIV R5 linfócito T-trópica estava diretamente relacionada à pleocitose liquórica, foi identificada também no sangue e reduziu no líquor, proporcionalmente, a redução de CV sérica com a TARV.21

A presença de vírus macrófago-trópico, inicialmente descrito no SNC já foi identificada em outros tecidos, como no trato genital masculino, em estudo comparativo das populações virais no sêmen e no sangue.22

O período de indetecção do vírus sem uso de TARV é a chamada cura funcional.

Conceitos e objetivos de cura do HIV

O período de indetecção do vírus sem uso de TARV é a chamada cura funcional. Foi o que ocorreu com o bebê de Mississipi, criança que nasceu de parto normal de mãe HIV positiva sem uso de TARV e teve diagnóstico de infecção pelo HIV confirmado após duas CVs positivas com 30 horas de vida. Iniciou TARV e utilizou até 18 meses de vida, quando foi suspenso inadvertidamente pela mãe. Manteve CV sérica, pesquisa por PCR de DNA pró-viral e anticorpos negativos até 46 meses de vida, após 28 meses sem uso de antirretroviral. Porém, apresentou nova detecção viral após esse período.23,24 No caso descrito, a ausência de CV após a suspensão da TARV, quantificada no sangue, não significou eliminação viral, mas a manutenção de infecção latente, que apresentou período de recidiva viral após 28 meses sem TARV. A mesma situação ocorreu com indivíduos da coorte francesa VISCONTI.25

A cura almejada pelos diversos grupos em pesquisa é a cura esterilizante, que significa ausência de vírus circulante sem TARV, bem como eliminação dos reservatórios virais (ausência do DNA pró-viral na matriz do DNA humano) nos diversos tecidos, de modo a não permitir recidiva da doença.

Estratégias de cura

Kick and kill (shock and kill)

A estratégia atualmente mais estudada para eliminar as células T com latência viral se baseia na hipótese de reversão dessa latência, seguida da eliminação dessas células por meio da citólise viral ou imunomediada, conhecida como kick and kill ou shock and kill. Tal estratégia baseia-se na administração de LRAs como inibidores da histona deacetilase (HDAC) e dissulfiram em indivíduos que estejam em uso de TARV,16 de modo a mobilizar esses reservatórios para ativação viral, em conjunto com a manutenção da TARV, seguido de estimulação imune que amplie a resposta celular citotóxica natural a fim de eliminar os reservatórios.

Exemplos dessa tentativa de terapia foram publicados nos estudos com uso do vorinostat e panobinostat,17,26 porém sem muito sucesso. A pesquisa por outros LRA e possíveis toxicidades com seu uso prossegue.27

Transplante de células-tronco hematopoiéticas

O transplante de células-tronco hematopoiéticas surgiu como uma das possibilidades para a cura do HIV após as diversas tentativas de tratamento de pacientes oncológicos infectados com HIV, submetidos a diferentes tratamentos quimioterápicos e de transplante de células hematopoiéticas, com apenas um sucesso até o momento – o paciente de Berlim, já discutido nesta revisão.

Trata-se de uma terapia cara, com elevada morbimortalidade nos casos descritos até o momento, pela dificuldade na identificação de doadores compatíveis com mutação no gene CCR5.9

Silenciamento do CCR5

Diversas células do sistema imune podem expressar o CCR5, como as células efetoras NK e linfócitos T, e as células apresentadoras de antígenos, macrófagos, monócitos e células dendríticas. Porém, apenas as células que expressam CD4 são suscetíveis a infecção viral.28

A presença de deleção de 32 pares de bases no gene CCR5 (CCR5Δ32) mostrou-se um fator protetor em relação à infecção pelo HIV quando em homozigose, e também foi associado à manutenção de menor CV antes do início da TARV, bem como progressão mais lenta do HIV na ausência da TARV quando em heterozigose. Em estudo recente, Henrich et al. analisaram uma coorte composta por pacientes heterozigotos para CCR5Δ32 e homozigotos selvagens, com sugestão de que a presença da heterozigose seja um fator protetor para o tamanho do reservatório viral, porém não foi estatisticamente significante.29

Outras mutações, além do CCR5Δ32, alteram a expressão do correceptor e sua interação com as citosinas, de forma a “proteger” as células da infecção pelo HIV. A suscetibilidade ao HIV e a progressão da infecção estão diretamente relacionados à disponibilidade do CCR5, ao menos no início da infecção. Diversas estratégias de modificação da molécula CCR5 têm sido estudadas, e até onde se sabe, bloqueios do CCR5 poderão acarretar diferentes respostas do hospedeiro e sua interação com o HIV.28

Além da estratégia de modificação da estrutura do CCR5, há a possibilidade de utilizar outras moléculas que funcionem como agonistas, como PSC-RANTES, que provocam a internalização desse correceptor, como uma maneira de sequestro; ou como antagonistas, os quais podem ser anticorpo monoclonal ou várias pequenas moléculas antagonistas (aplaviroc, maraviroc, vicriviroc). Infelizmente, alguns deles não se mostraram eficazes ou seguros em estudos clínicos. Os estudos com as moléculas antagonistas aumentaram a ocorrência de malignidade na população exposta, como surgimento de linfomas,28 sugerindo que a interferência na resposta imune pode trazer consequências inaceitáveis para os pacientes.

Terapia celular

Com o objetivo de melhorar a potência da resposta imune celular, pesquisas de desenvolvimento de conjugados de nanopartículas com as células T, conjugados de IL-15 e inibidores de nef estão em andamento, assim como a construção de células NK capazes de secretar anticorpos monoclonais neutralizantes.

Após o caso de Timothy Ray Brown, a possibilidade de terapia gênica tornou-se um importante alvo de estudo.

Terapia gênica

Após o caso de Timothy Ray Brown, a possibilidade de terapia gênica tornou-se um importante alvo de estudo. O principal meio seria a manipulação de células autólogas de modo a remover o gene codificador do CCR5 ou incluir genes responsáveis pela produção de proteínas anti-HIV. Outra possibilidade é modificar o sítio de integração do DNA pró-viral, inativando-o com uso de nucleases, como ZFN (zinc-finger nucleases), TLEN (TAL effector nucleases) ou CRISPR-Cas9 (clustered regularly interspaced short palindromic repeats).30 A maior dificuldade reside na maneira como entregar/direcionar essas nucleases nas células com infecção latente.

Outro foco de estudo é a possibilidade de modificar as células do sistema imune de modo a reconhecer e destruir células que expressem antígenos do HIV, modificar os receptores de linfócitos T ou a produção de receptor de antígeno quimérico (chimeric antigen receptor, CAR), como utilizado em alguns tratamentos oncológicos. As células poderiam ser transformadas em fábricas de produção persistente de moléculas anti-HIV, como os anticorpos monoclonais amplamente neutralizantes (bNAbs) ou proteínas que mimetizem tanto CD4 quanto CCR5.

Ainda é obscuro se o uso de células modificadas, sem a ablação medular que ocorre no transplante de células hematopoiéticas, e a depender do regime de condicionamento medular para receber as novas células, seria capaz de induzir a erradicação de outras células infectadas. Muito provavelmente, o uso de técnicas combinadas com o uso de LRA associados à terapia gênica e vacina seja um caminho.

Conclusão e reflexão

Quase todos os pacientes perguntam aos seus médicos quando a cura do HIV estará disponível. O caso do paciente de Berlim mostra que é um objetivo possível, não apenas um mito na imaginação de todos. De fato, há uma corrida na comunidade científica para novas descobertas que possam levar a esse objetivo. Como revisto neste artigo, há uma série de estratégias que estão sendo exploradas visando a erradicação do HIV.

Cabe ressaltar, contudo, que um irônico obstáculo nesse avanço é a formidável conquista das atuais opções de TARV. Conseguimos controlar com notável eficiência a replicação do HIV na maioria dos pacientes que usam regularmente a medicação e fazem acompanhamento adequado, com exames clínicos e laboratoriais regulares. Uma intervenção para a cura deverá ser, necessariamente, superior ao que é oferecido pela TARV.

O acesso a um tratamento eficaz, bem tolerado, de fácil execução e custo redu zido continua a ser um objetivo esperado.

O acesso a um tratamento eficaz, bem tolerado, de fácil execução e custo reduzido continua a ser um objetivo esperado. Mas apenas o contínuo investimento e a perseverança na pesquisa científica transformarão a cura em uma conquista que ajudará no tratamento de pessoas que vivem com o HIV e no enfrentamento da epidemia.

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